Vento no litoral

outubro 24, 2009

marAcabei de me mudar para um bairro bem bacana aqui em Miami, onde, dizem, nas trocas de estações sempre ocorrem uns tufões de balançar estruturas. Troquei a vida parada daquela cidade onde nasci, cresci e conhecia a todos pela correria desta Miami sem me preocupar com as histórias dos ventos; afinal o que seria um vento mais forte perto do furacão que tornou-se a minha vida.

Eram quase seis da tarde quando liguei a televisão e vi aquela imagem em cone escura arrasando quarteirões perto dali. Não podia imaginar, quando o telefone tocou, que poderia estar vindo ao meu encontro. Atendi o telefone meio desacreditado que seria premiado já na meia estação por algo tão poderoso. Do outro lado da linha sua voz respingava segredos que já não eram tão secretos assim: falou da briga com a irmã, das suas indecisões e que estava a caminho da minha casa.

Eu tinha um olho na tevê, outro no horizonte que se enchia de nuvens com o que ouvia ao telefone. Logo eu que dias atrás havia feito o mesmo, receberia agora na mesma moeda. Desliguei e o aguardei enquanto enchia uma sacola da Starbucks com o que havia dele pela casa; ouvi rolar a chave na porta, o Zé latiu e ele entrou cabisbaixo, mal conseguia me encarar. O som da tevê estava altissimo e eu fechava a última janela de casa quando me virei o vi. Ele me via sem querer olhar. Acho que haveria um choque elétrico se eu forçasse a troca de olhares; ele cabisbaixo. Abaixei o som do noticiário que cantava o desatre, nem me preocupei se perderia algo e o puxei pela mão até o quarto. Sentamos lado a lado, tentei um beijo, que voltou gélido; ele me mostrou feridas em seu ante-braço, me disse que se tratava de um mal-entendido com a irmã e deitou-se de barriga para baixo, sempre escondendo os olhos. Haviam lágrimas fáceis de perceber, pois em segundos já encharcavam alguns centímetros do lençol.

Lembrei que havia roupas no varal. Corri para recolhe-las e vi que o céu escurecia.

Tentei vira-lo pra mim, sem sucesso, e fui aos poucos ouvindo o que ele não ousava me dizer, e calava-se. O som da tevê na sala parecia ter parado, fui ver o que aconteceu; acabou a energia. E o ventaval se aproximando.

Forcei respostas e eu mesmo as dei, enquanto também fazia as perguntas. Não rolou sequer uma lágrima de dentro de mim, mas por dentro havia um sentimento imenso de perda e de “por quê”. Acabamos rolando na cama e tivemos a melhor foda de todas, fui devorado de todas as formas enquanto ouvia a casa estremecer, as cortinas saculejarem como se estivessem prestes a serem arrancadas; gozamos juntos, longe e intenso.

Abri a janela e vi que o céu já clareava e o Sol que já se despedia aquela tarde ainda mantinha uns leves riscos entre as nuvens claras. A tevê religou sozinha e eu levei um susto quando ouvi a porta bater. Ele se foi. O furacão se foi sem me ferir, só deixando algumas lembranças que eu diria boas, afinal, sempre se aprende algo com a natureza das coisas.

*

O problema é que às vezes trocamos leves e constantes tempestades tropicais por furacões sazonais acreditando que estamos mudando de vida, e nos surpreendemos com o primeiro vento mais acelerado que nos quase escalpela.