Acabei de me mudar para um bairro bem bacana aqui em Miami, onde, dizem, nas trocas de estações sempre ocorrem uns tufões de balançar estruturas. Troquei a vida parada daquela cidade onde nasci, cresci e conhecia a todos pela correria desta Miami sem me preocupar com as histórias dos ventos; afinal o que seria um vento mais forte perto do furacão que tornou-se a minha vida.
Eram quase seis da tarde quando liguei a televisão e vi aquela imagem em cone escura arrasando quarteirões perto dali. Não podia imaginar, quando o telefone tocou, que poderia estar vindo ao meu encontro. Atendi o telefone meio desacreditado que seria premiado já na meia estação por algo tão poderoso. Do outro lado da linha sua voz respingava segredos que já não eram tão secretos assim: falou da briga com a irmã, das suas indecisões e que estava a caminho da minha casa.
Eu tinha um olho na tevê, outro no horizonte que se enchia de nuvens com o que ouvia ao telefone. Logo eu que dias atrás havia feito o mesmo, receberia agora na mesma moeda. Desliguei e o aguardei enquanto enchia uma sacola da Starbucks com o que havia dele pela casa; ouvi rolar a chave na porta, o Zé latiu e ele entrou cabisbaixo, mal conseguia me encarar. O som da tevê estava altissimo e eu fechava a última janela de casa quando me virei o vi. Ele me via sem querer olhar. Acho que haveria um choque elétrico se eu forçasse a troca de olhares; ele cabisbaixo. Abaixei o som do noticiário que cantava o desatre, nem me preocupei se perderia algo e o puxei pela mão até o quarto. Sentamos lado a lado, tentei um beijo, que voltou gélido; ele me mostrou feridas em seu ante-braço, me disse que se tratava de um mal-entendido com a irmã e deitou-se de barriga para baixo, sempre escondendo os olhos. Haviam lágrimas fáceis de perceber, pois em segundos já encharcavam alguns centímetros do lençol.
Lembrei que havia roupas no varal. Corri para recolhe-las e vi que o céu escurecia.
Tentei vira-lo pra mim, sem sucesso, e fui aos poucos ouvindo o que ele não ousava me dizer, e calava-se. O som da tevê na sala parecia ter parado, fui ver o que aconteceu; acabou a energia. E o ventaval se aproximando.
Forcei respostas e eu mesmo as dei, enquanto também fazia as perguntas. Não rolou sequer uma lágrima de dentro de mim, mas por dentro havia um sentimento imenso de perda e de “por quê”. Acabamos rolando na cama e tivemos a melhor foda de todas, fui devorado de todas as formas enquanto ouvia a casa estremecer, as cortinas saculejarem como se estivessem prestes a serem arrancadas; gozamos juntos, longe e intenso.
Abri a janela e vi que o céu já clareava e o Sol que já se despedia aquela tarde ainda mantinha uns leves riscos entre as nuvens claras. A tevê religou sozinha e eu levei um susto quando ouvi a porta bater. Ele se foi. O furacão se foi sem me ferir, só deixando algumas lembranças que eu diria boas, afinal, sempre se aprende algo com a natureza das coisas.
*
O problema é que às vezes trocamos leves e constantes tempestades tropicais por furacões sazonais acreditando que estamos mudando de vida, e nos surpreendemos com o primeiro vento mais acelerado que nos quase escalpela.
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